Florença é reverenciada como o lar de algumas das artes mais importantes do mundo. Considerada por muitos o berço do Renascimento, obras como a Vênus de Botticelli e o Davi de Michelangelo atraem multidões de turistas diariamente.
As filas para entrar em lugares como a Galleria degli Uffizi, o Palazzo Strozzi ou a Galleria dell’Accademia di Firenze se estendem por toda a cidade. Mas será que as pessoas estão tão ansiosas para dizer que viram esses tesouros que acabam cegas para algumas das joias artísticas escondidas da cidade?
Foi exatamente isso que tentei descobrir nos últimos meses. Acompanhando publicações culturais e ouvindo atentamente recomendações boca a boca, cheguei a eventos fantásticos de música, cultura e arte.
Em uma cidade tão saturada pelo turismo de “cliques e flashes”, essas conversas entre estudantes e moradores podem ser o ponto de partida para desvendar a verdadeira identidade contemporânea de Florença. Então, quando uma colega de classe me convidou para a abertura de uma galeria, escondida no intrigante bairro de Santo Spirito, tentei ao máximo não perder a oportunidade.
A galeria em questão, Chiasso Perduto, é um espaço conceitual muito interessante. Localizada em uma pequena rua lateral, inicialmente escondida, um lance de escadas esculpido na parede chama a atenção. Essas escadas levam a um espaço subterrâneo cavernoso. Diferente de uma galeria convencional de paredes brancas, o fluxo natural das paredes curvas e ásperas reflete no teto de formato orgânico, criando um ambiente simultaneamente cru e acolhedor.
As proprietárias, Francesca e Sandra, gentilmente compartilharam sua visão para o espaço conosco, uma jornada que começou há seis anos. O espaço foi herdado e convertido no que é hoje pelas duas, mas os antigos proprietários, a família Machiavelli, conectam o local de forma única ao mundo artístico do passado e do presente em Florença.
Por isso, nem todo artista tem a honra de expor no Chiasso Perduto. Um longo e cuidadoso processo é realizado para selecionar os artistas. Escolhidos aproximadamente a cada dois meses, os artistas começam com uma tela em branco. A forma natural do espaço serve de inspiração, com as proprietárias acompanhando cada passo da jornada criativa do artista, diferente do ambiente mais frio de galerias tradicionais. O objetivo é maximizar a criatividade de cada residência artística, o que provavelmente explica por que os projetos recentes foram tão únicos.
A residência e a artista que tivemos a sorte de prestigiar na abertura foi Maria Xagorari, uma artista visual das ilhas gregas que agora vive nos altos picos da Suíça. Sua obra, intitulada Acque Sconfinate (Águas Infinitas), parece um testemunho do forte vínculo de Maria com as emoções que sente e encontra na natureza. Com isso em mente, a forma natural distinta da galeria, combinada com as influências do passado e do presente de Maria, parecia ser um encaixe perfeito.
Assim que entrei nas cavernosas paredes brancas da galeria, a obra de Maria chamou minha atenção. Com uma mistura de arte em vídeo e trabalhos físicos aplicados diretamente às superfícies, a combinação dessas técnicas deu vida ao espaço, forçando o espectador a alternar seu olhar. Era imprevisível, mas fortemente ligado ao mesmo tema: a água. Nas palavras de Maria, o fluxo natural e as forças da água, mas também sua natureza às vezes errática, espelhando os movimentos da vida.
Motivos de naufrágios, barcos e correntes estavam espalhados por grandes representações de ondas e do oceano, criando uma sensação de intensidade, mas também refletindo a tentativa humana de desacelerar essa maré, suspendendo-se no tempo. Maria, com sua presença energética, parecia personificar o próprio barco, um pilar de confiança diante do desconhecido, como descrito na apresentação da residência.
A natureza holística da galeria conectou-se profundamente à herança grega de Maria e sua mitologia, além de sua história de viagens. Os desenhos nas paredes às vezes chamavam a atenção em meio aos grandes espaços brancos, como se estivéssemos submersos em um nível subterrâneo.
Maria também se inspirou na representação da água na literatura. Poemas discretamente espalhados entre os desenhos e vídeos adicionavam um toque multimídia à galeria, com citações poéticas traduzidas através do olhar da artista:
“Na quietude das noites estreladas, ossos trêmulos, luz cintilante,me inundem de lágrimas, me inundem de vida.”
A instalação de Maria era crua, com o vídeo complementando os desenhos de maneira impressionante, criando uma experiência envolvente. Sua peça central, um grande desenho de onda em preto e branco, formado por círculos constantes de intensidade variada, era uma metáfora para as comparações cíclicas entre a vida e o movimento da água. Embora o destaque da obra central arriscasse ofuscar as peças menores, isso acabou funcionando bem, refletindo a conexão constante entre todos nós, mesmo com aparente espaço físico entre nós.
No caso de Maria, o oceano na instalação é o metáfora perfeita que conecta sua base na Suíça e suas origens nas ilhas gregas, uma sensação de suspensão tensa e estado de fluxo simultaneamente.
A experiência na galeria foi extremamente prazerosa, um testemunho às proprietárias Francesca e Sandra, assim como à artista Maria. Uma noite repleta de reflexão, imaginação e curiosidade, moldada pelo espaço inovador e pela residência que o trouxe à vida.
Os vinhos e petiscos locais servidos na noite de abertura apenas reforçaram nossa opinião positiva. Então, para qualquer jovem entusiasta de arte ou cultura, tome isso como um sinal. Sim, Florença tem uma infinidade de joias artísticas históricas, mas se você se der o tempo de explorar mais a fundo, um novo e inventivo mundo da arte está literalmente florescendo sob a superfície.